Faculdade Maurício de Nassau UNINASSAU | Ser Educacional
13 Abril
MEDICINA VETERINÁRIA
Transbordamento zoonótico: o que esse fenômeno tem a ver com o novo coronavírus?
Autor: Beto Coral
Confira as informações

Desde o fim de 2019 todo o planeta vem enfrentando a maior pandemia dos últimos 100 anos, provocada por um coronavírus, o SARS-CoV-2. Esse vírus está presente em mais de 200 países, que causa uma doença chamada COVID-19 e caracteriza-se como uma síndrome respiratória aguda grave. Segundo dados em tempo real da Organização Mundial de Saúde o vírus já infectou 512.701 pessoas, levando 23.495 a morte até o dia 28/03/2020.

Essa não é a primeira vez que nos deparamos com uma pandemia causada por um coronavírus. Em 2002 o SARS-CoV causou um surto na província de Guangdong - China que se espalhou para 26 países. Em 2012 o MERS-CoV surge na Arábia Saudita, espalhando-se para 27 países. Além de pertencerem ao mesmo gênero (Betacoronavirus), esses vírus, bem como o novo coronavírus (SARS-CoV-2), são de origem zoonótica, ou seja, animais não humanos são seus reservatórios naturais. Além disso, o SARS-CoV-2 é o sétimo coronavírus conhecido a infectar humanos.

Zoonoses são doenças causadas por patógenos que são naturalmente transmitidos entre humanos e animais vertebrados. Dentre tantas outras, são exemplos de Zoonoses a doença por vírus ebola, a SIDA, raiva, gripe suína, leishmaniose, peste bubônica, a mais recente COVID-19. Quando um vírus que naturalmente infecta animais não humanos e passa a infectar pessoas, chamamos esse fenômeno de transbordamento zoonótico, onde o agente etiológico rompe a barreira entre espécies. Contudo,  esse transbordamento requer de vários fatores para ocorrer, incluindo os determinantes ecológicos, epidemiológicos e comportamentais do hospedeiro reservatório e do hospedeiro receptor que irão modelar o nível de exposição ao patógeno e os fatores humanos que afetam a suscetibilidade à infecção.

Segundo um trabalho publicado por Raina K. Plowright1 e colaboradores em 2017, esses fatores podem ser divididos em três fases funcionais que descrevem todas as principais rotas de transmissão: 1. Quantidade de patógeno disponível para o hospedeiro humano em um determinado ponto no espaço e no tempo, conhecido como pressão do patógeno, que é determinada por interações entre a distribuição do hospedeiro reservatório, a prevalência do patógeno e a liberação do patógeno do hospedeiro, seguidas por sobrevivência, desenvolvimento e disseminação de patógenos fora do reservatório. 2. O comportamento humano e vetorial que determina a exposição ao patógeno, especificamente, a probabilidade, via e dose de exposição. 3. Os atributos genéticos, fisiológicos e imunológicos do hospedeiro humano receptor. Todos esses aspectos juntos, afetam a probabilidade e a gravidade da infecção.

O transbordamento pode acontecer quando um agente etiológico é transmitido diretamente do animal não humano tido como reservatório para o humano receptor ou é transmitido inicialmente à outro animal não humano, evolui nesse segundo animal e assim salta para um hospedeiro humano, um bom exemplo desse fenômeno é a Raiva (figura 1).

Figura 1. O vírus da raiva (Família Rabdoviridae, Gênero Lyssavirus, Espécie Rabies Lyssavirus) possui algumas variantes virais, estas ocorrendo em reservatórios diferentes. Observa-se na figura que uma variante viral do vírus da raiva específica de morcegos ou de gato pode transbordar diretamente para um hospedeiro humano (A e B respectivamente) ou uma variante específica de morcegos pode inicialmente infectar gatos (C1) e a partir dos gatos infectar uma pessoa (C2).

 

Se esse fenômeno de transbordamento também ocorreu com o SARS-CoV-2 (novo coronavírus), quais são os reservatórios de animais não humanos que estão envolvidos? Ate o momento não se sabe exatamente quais são os animais envolvidos na cadeia de transmissão ou se o vírus foi transmitido diretamente do vertebrado não humano para um humano, ou precisou evoluir em um hospedeiro intermediário (figura 2).

Figura 2. Relação de transmissão e transbordamento viral do SARS-CoV-2 entre animais humanos e não humanos.

 

Como os casos iniciais de COVID-19 foram vinculados ao mercado público de Huanan em Wuhan, provavelmente uma fonte animal do vírus estaria presente no local. Dada a semelhança do SARS-CoV-2 com os coronavírus do tipo SARS-CoV (o que causou a pandemia em 2002), é provável que espécies morcegos da Subordem Yinpterochiroptera (que não ocorrem no Brasil) sirvam como hospedeiros reservatório do vírus. Porém, nem o SARS-CoV ou o  SARS-CoV-2 foram isolados em morcegos, sugerindo também que esses vírus tenham evoluído em um hospedeiro animal não humano intermediário para assim, infectar pessoas.

É importante ressaltar que os morcegos não são culpados ou causadores da atual pandemia e que seu extermínio no Brasil se configura como crime ambiental. Além disso, os morcegos desempenham diversas funções importantes no Ecossistema. São dispersores de sementes, atuando na recuperação de áreas degradadas; são polinizadores, ajudando na reprodução de plantas frutíferas; Controlam grandes populações de insetos, impedindo que tais insetos tornem-se pragas em ambientes naturais e urbanos e são bons indicadores da qualidade de habitat, ou seja, se determinadas espécies sumirem de um dado local, é um indicativo que a área sofreu perturbações de mais, estando em “desequilíbrio ecológico”.

Uma informação falsa tem circulado na internet, com enfase nas redes sociais, de que o novo coronavírus teria sido criado em laboratório com aval da china, repetindo, essa é uma notícia falsa. É importante deixar claro que nenhum desses vírus, principalmente o SARS-CoV-2, são fruto de manipulação humana. Um estudo recente2 publicado na renomada revista Nature, deixa claro que é improvável que isso tenha ocorrido, já que se a manipulação genética tivesse sido realizada, um dos vários sistemas genéticos reversos disponíveis para os Betacoronavirus (gênero do  SARS-CoV-2 e do SARS-CoV) teria sido utilizado.


Por Emmanuel Messias Vilar - Biólogo e docente do curso de medicina veterinária da Uninassau João Pessoa.

 

Referências:

 

  1. Plowright, R. K., Parrish, C. R., McCallum, H., Hudson, P. J., Ko, A. I., Graham, A. L., & Lloyd-Smith, J. O. (2017). Pathways to zoonotic spillover. Nature reviews. Microbiology, 15(8), 502–510. https://doi.org/10.1038/nrmicro.2017.45

Andersen, K.G., Rambaut, A., Lipkin, W.I. et al. The proximal origin of SARS-CoV-2. Nat Med (2020). https://doi.org/10.1038/s41591-020-0820-9

Galeria: 
Figura 1Figura 2

Comentários