29
Novembro
Garanhuns
Com a palavra, o mestre
Cidadania de papel: O poder de requisição da Defensoria Pública frente às vulnerabilidades sociais
Profª. Tamara Dantas Farias
O Brasil possui a maior população da América do Sul, todavia, a população brasileira ainda carece de pleno acesso à cidadania, visto que parte dessa população ainda é invisível aos olhos do Estado, uma vez que não há registro civil.
Importante demonstrar que esse fenômeno de invisibilidade social se dá em nichos sociais periférico, negros, pobres e, principalmente, rurícolas, e a descoberta da tamanha invisibilidade de brasileiros, que sequer dispõem de um nome, foi mensurada após o advento de auxílio emergencial, programa social criado pelo governo federal para auxiliar a população no enfrentamento da pandemia de COVID-19. O número percebido assusta por se tratarem de cerca de 46 milhões de brasileiros sem o devido registro civil[i].
O tema da redação do Enem 2021 tratou desta vulnerabilidade social, e neste sentido, a questão traz à tona outro assunto, recentemente debatido nos Supremo Tribunal Federal, por meio da ADI 6.852[ii], proposta pela Procuradoria Geral da República, que busca a declaração de inconstitucionalidade do art. 44, X, da LC 80/94[iii], mitigando a prerrogativa de requisição da Defensoria Pública da União.
O artigo em questão estabelece como prerrogativa da Defensoria Pública o poder de requisitar documentos às autoridades públicas e aos seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições.
Nesse sentido, esclarece-se que, em linhas práticas, a Defensoria Pública pode requisitar 1ª ou 2ª via de Certidão de Registro Civil dos assistidos que não o possuem, nem possuem condições financeiras de requisitar pessoalmente os documentos em questão.
Com efeito, a justificativa da propositura da ADI para a PGR é de que o poder de requisição que dispõe a Defensoria Pública como prerrogativa, estabelece uma situação de disparidade de armas no processo, tendo em vista que não se dá aos advogados particulares o mesmo poder de requisição.
Em que pese, essa justificativa olvida a função social das Defensorias Públicas, que oferece assistência judiciária gratuita e completa aos vulneráveis, assim, o poder requisitório da defensoria, auxilia na mitigação das disparidades sociais.
Vale destacar ainda, que o poder de requisição se dá quando a parte assistida pela Defensoria Pública possui alguma vulnerabilidade, enxergando tais vulnerabilidade além do fator econômico, pois a Defensoria atua hodiernamente com sistemas próprios de proteção, tais como defesa dos direitos dos idosos, da criança e do adolescente, atuação coletiva e, ainda, quanto à sua atividade extrajudicial, o papel da Defensoria Pública busca desafogar o judiciário investidos do poder de requisição.
Isto posto, nota-se que a Defensoria Pública é um dos principais atores no combate à invisibilidade dos brasileiros que não possuem registro civil, e que a defesa de sua prerrogativa busca, não apenas garantir um pedaço de papel à população hipossuficiente, mas a cidadania que esse papel representa. Diferente do que a ação do PGR busca levar a crer, a questão possui elos muito mais principiológicos e de função social.
[i] [i] Auxílio emergencial de R$ 600 revela 46 milhões de brasileiros invisíveis aos olhos do governo. G1 Globo. 2020 Disponível em: https://g1.globo.com/fantastico/noticia/2020/04/26/auxilio-emergencial-de-r-600-revela-42-milhoes-de-brasileiros-invisiveis-aos-olhos-do-governo.ghtml. Acesso em 22/10/2021.
[ii] STF julgará poder de requisição da Defensoria Pública. Migalhas. 2021. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/354559/stf-julgara-poder-de-requisicao-da-defensoria-publica. Acesso em: 22/11/2021.
[iii] BRASIL. LEI COMPLEMENTAR Nº 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm . Acesso em: 22/11/2021.