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10 Maio
MEDICINA VETERINÁRIA
Raiva, morcegos e animais domésticos: uma relação ecológica que merece atenção
Autor: Andrei Guedes
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O recente caso de óbito em decorrência da raiva humana no estado de Santa Catarina reforça uma preocupação tangente em todos os sistemas de vigilância epidemiológica da raiva no Brasil, a transmissão viral através de animais de companhia, cão e gato, e a interação destes com animais silvestres, principalmente morcegos.

A raiva é uma zoonose exclusiva dos mamíferos e é causada por um vírus do Gênero Lyssavirus (Família Rhabdoviridae, Ordem Mononegavirales), logo, qualquer mamífero (incluindo humanos) podem se infectar, desenvolver a doença e transmitir o vírus.

Sendo uma das principais causas de morte em humanos dentre as doenças infecciosas, a raiva é responsável anualmente por cerca de 60.000 mortes e 10 milhões de tratamentos pós-expositivos (vacinas e soro administrados após agressão envolvendo cão, gato ou animal silvestre) em todo o mundo. A principal via de transmissão viral se dá quando a saliva de um indivíduo infectado entra em contato com a pele ou mucosa de outro indivíduo por meio de mordida, lambedura ou arranhão.

O vírus da Raiva apresenta quatro ciclos de transmissão, sendo os humanos o ponto central entre todos eles (figura 1):

1. Ciclo silvestre aéreo, representado exclusivamente pelos morcegos;

2. Ciclo silvestre terrestre, representado principalmente por raposas e primatas não humanos;

3. Ciclo rural, representado principalmente por bovinos, equinos e caprinos;

4. Ciclo urbano, representado por cães e gatos.

Figura 1. Ciclos de transmissão do vírus da raiva no Brasil. 

Os seres vivos que compõem esses ciclos podem interagir entre si ampliando a dinâmica de transmissão viral. Cerca de 90% dos casos reportados em todo o mundo são associados a cães. Porém, mesmo nos países considerados livres de raiva canina na América Latina, como o Brasil, casos humanos relacionados a transmissão por morcegos têm sido relatados, nesse contexto, morcegos têm um papel importante na manutenção e transmissão do vírus da raiva no ambiente, sendo considerado o principal reservatório silvestre.

No Brasil, 43 espécies de morcegos já foram diagnosticadas com o vírus da raiva e destas, 37 ocorrem em áreas urbanas. Lembrando que, a presença de morcegos em áreas urbanizadas é ampliada pela destruição de seus ambientes naturais como cavernas e florestas. No período de 2011 a 2016, 792 morcegos foram diagnosticados com a raiva. No país, a situação epidemiológica da doença mostra que o número de pessoas atendidas pelos serviços de saúde devido a contatos/agressões por morcegos vem aumentando significativamente, dado o registro de 1.457 atendimentos em 2002 e 4.341 em 2015, representando um incremento de mais de 250% no período citado, e o total de casos até 2016, soma 22.822 atendimentos pós-expositivos.

Nos últimos anos, variantes virais específicas de morcegos foram encontradas em cães e gatos, demonstrando uma estreita relação entre esses animais, reforçando a capacidade de transbordamento do vírus entre as espécies de mamíferos e evidenciando um ponto crítico no processo de vigilância epidemiológica da raiva que é, entender a rede de interação entre morcegos e animais domésticos.

Gatos são animais de companhia que ainda mantêm características selvagens afloradas, como o instinto de caça, o que os tornam os principais predadores oportunistas de morcegos em áreas urbanas. Uma vez que o felino mata um morcego e o mesmo está infectado com o vírus da raiva, o gato tende a se infectar, desenvolve a doença e amplia a chances de transmissão do vírus para os mamíferos mais próximos que, em um contexto urbano, são outros felinos e humanos.

Situações como essa ocorreram na cidade de Jacaraú-PB em 2015 e Recife-PE em 2017, em ambos os casos uma pessoa veio a óbito em decorrência da raiva humana após serem agredidas por gatos, após análises laboratoriais comprovou-se que a variante viral que infectou os gatos eram originadas de morcegos. Os gatos entraram em contato com morcegos infectados, adquiriram o vírus, desenvolveram a doença e transmitiram o vírus para humanos.

É importante frisar que nem todo morcego está infectado com o vírus da raiva e de que não há vilões nessa rede de transmissão. Morcegos são animais silvestres protegidos por lei e mantêm funções extremamente importantes no ecossistema uma vez que, atuam reflorestando áreas degradadas, controlam pragas agrícola e polinizam plantas frutíferas. Nosso maior problema hoje é o desconhecimento sobre as comunidades de morcegos em ambientes urbanos e como se dá sua interação com outros mamíferos. Para se ter respostas mais efetivas na vigilância epidemiológica da raiva, é necessário a realização de ações interdisciplinares buscando investigar os processos que atuam e modificam o Meio Ambiente.

ATENÇÃO! Casos de agressão por cão, gato ou animais silvestres (morcegos) devem ser reportados ao sistema público de saúde para que as medidas profiláticas sejam realizadas e que desta forma casos de raiva humana sejam completamente evitados.

 

Emmanuel Messias Vilar – Pesquisador na área de Eco-epidemiologia da raiva em morcegos de áreas urbanas. Professor de Bioestatística do curso de medicina Veterinária da Uninassau João Pessoa.

 

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